Mosquito da dengue adapta-se ao frio: a ameaça oculta que pode levar um mega-surto ao Sul do Brasil

Estudos recentes revelam que o Aedes aegypti está desenvolvendo mutações que o tornam tolerante ao frio, permitindo sua chegada ao Sul do Brasil e elevando gravemente o risco de um mega-surto repentino de dengue já em 2025.

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A tolerância crescente ao frio permite que o vetor avance para áreas mais frias do Sul do Brasil, elevando o risco de surtos de dengue.

O Aedes aegypti, vetor da dengue, zika e chikungunya, sempre foi associado a regiões quentes e úmidas. Porém, estudos publicados entre 2023 e 2025 mostram que populações desse mosquito estão exibindo mutações que ampliam sua tolerância a temperaturas mais baixas.

Essa adaptação rompe a “barreira climática” que antes protegia o Sul do Brasil, abrindo caminho para surtos em áreas outrora consideradas seguras.

A relevância do tema não se limita à saúde pública: o avanço do Aedes afeta o turismo, a economia rural e a infraestrutura urbana. Em 2025, Santa Catarina e Rio Grande do Sul registraram os primeiros focos resistentes ao frio em armadilhas de monitoramento, levantando um alerta vermelho para prefeitos, profissionais de saúde e população em geral.

A evolução do Aedes além dos trópicos

Pesquisas conduzidas por universidades brasileiras em parceria com a Organização Pan-Americana da Saúde revelaram inversões cromossômicas que aumentam a capacidade metabólica do mosquito em ambientes mais frios. Em termos simples, o Aedes “liga” genes específicos que o ajudam a produzir energia e sobreviver quando a temperatura cai abaixo de 15 °C, limite que antes reduzia drasticamente sua atividade.

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Amostra de DNA do Aedes aegypti revela mutações que aumentam sua tolerância ao frio.

Essas modificações não surgiram do nada. O aquecimento global gera verões mais longos, mas também invernos relativamente amenos em várias regiões. Esse “ambiente laboratório” favorece linhagens geneticamente flexíveis. Ao longo de poucos ciclos reprodutivos (o mosquito leva em média dez dias para ir do ovo ao adulto), indivíduos mais resistentes acabam predominando, empurrando o limite de distribuição do vetor cada vez mais ao sul.

Genes de resistência e consequências para a saúde pública

Além da tolerância ao frio, algumas populações aram a exibir maior capacidade de reter vírus nos períodos de incubação, o que potencializa a transmissão. Para o sistema de saúde, isso cria novos gargalos:

  • Ampliação da área endêmica
    Municípios serranos que nunca tiveram casos autóctones precisam implantar rapidamente unidades de vigilância.
  • Diagnóstico diferencial complexo
    Sintomas de dengue podem se confundir com infecções respiratórias comuns no inverno, atrasando o tratamento.
  • Sobrecarga hospitalar sazonal
    Hospitais já lotados pela gripe podem enfrentar demanda adicional inesperada.
  • Risco ocupacional nas lavouras
    Trabalhadores do campo, antes seguros durante o inverno, podem ficar expostos em horários em que o mosquito permanece ativo.

Ao reconhecer esses pontos críticos, gestores conseguem priorizar investimentos e evitar que a curva de casos ultrae a capacidade dos serviços de saúde.

O caminho brasileiro: vigilância, inovação e ação comunitária

Para conter o avanço do Aedes adaptado ao frio, o Brasil precisa combinar estratégias clássicas e tecnologias emergentes. Primeiramente, expandir o monitoramento genético: universidades federais e institutos de pesquisa já dispõem de laboratórios capazes de sequenciar DNA do mosquito em menos de 48 horas.

Essa rapidez permite mapear a distribuição das linhagens resistentes e emitir alertas direcionados.

Em segundo lugar, há oportunidades em soluções de base comunitária. Projetos-piloto em Curitiba e Caxias do Sul, por exemplo, testam armadilhas ecológicas distribuídas gratuitamente em bairros com maior índice de criadouros.

Cada armadilha contém sensores baratos que enviam dados via rede celular, alimentando painéis em tempo real para as secretarias de saúde. A iniciativa reduz custos de visita domiciliar e envolve moradores na vigilância ativa, gerando um senso de corresponsabilidade.

A curto prazo, desafios logísticos são inevitáveis, desde treinar agentes de campo em regiões que nunca lidaram com o vetor até garantir estoque de inseticidas em períodos de menor arrecadação municipal. Contudo, o potencial de integrar ciência cidadã, big data e políticas públicas criativas pode transformar o combate ao Aedes em exemplo de inovação em saúde ambiental.

Referência da notícia

Phenotypic adaptation to temperature in the mosquito vector, Aedes aegypti. 30 de Janeiro, 2024. Dennington NL, et. al.