Esta "água de fundo" antártica desloca-se para Norte, pelo fundo do mar, através das correntes oceânicas profundas, antes de subir lentamente, a milhares de quilômetros de distância.
Desta forma, a Antártica impulsiona uma rede global de correntes oceânicas denominada "Circulação de Revolvimento Meridional do Atlântico (AMOC)", que redistribui calor, carbono e nutrientes por todo o globo. A AMOC é crucial para manter o clima da Terra estável. É também a principal forma do oxigênio chegar às profundezas do oceano.
Contudo, há sinais de que esta circulação está abrandando e ocorrendo décadas antes do previsto. Este enfraquecimento pode perturbar a ligação entre as costas antárticas e o oceano profundo, com consequências para o clima da Terra, o nível do mar e a vida marinha.
Uma nova pesquisa, publicada na revista Nature Climate Change, utiliza observações do mundo real para decifrar como e porque o oceano profundo em torno da Antártica mudou nas últimas três décadas.
Os novos dados mostram que a AMOC suavizou quase um terço (30%) e que os níveis de oxigênio no oceano profundo estão diminuindo. Isto está acontecendo mais cedo do que os modelos climáticos previam.
Foi revelado também que a fusão do gelo antártico está perturbando a formação da água profunda na Antártica. A água da fusão torna as águas superficiais mais frias, menos densas e, por consequência, menos suscetíveis a afundarem, o que barra a AMOC.
A study in @NatureClimate shows that Antarctic bottom water transport reduced over the past decades in the Australian Antarctic Basin, weakening the abyssal overturning circulation and decreasing deep ocean oxygen. https://t.co/uWdzvqMc5P
— Nature Portfolio (@NaturePortfolio) May 29, 2023
À medida que o fluxo de água profunda suaviza, o fornecimento de oxigênio ao oceano profundo diminui. A diminuição da camada de água profunda, que é rica em oxigênio, é então substituída por águas mais quentes e pobres em oxigênio, reduzindo ainda mais os seus níveis.
Os animais no oceano respondem mesmo a pequenas alterações no oxigênio. Os seres das profundezas estão adaptados para viver em condições de pouco oxigênio, mas continuam tendo que respirar.
A perda de oxigênio pode levá-los a procurar refúgio em outras regiões, ou a adaptar o seu comportamento. Os modelos sugerem que estamos vendo uma diminuição do ambiente "viável" disponível para estes animais, com um declínio previsto de até 25%.
O atenuamento da AMOC pode também intensificar o aquecimento global. Esta circulação transporta dióxido de carbono e calor para as profundezas do oceano, onde é armazenado. À medida que a capacidade de armazenamento dos oceanos reduz, mais dióxido de carbono e calor são alocados na atmosfera. Esta retroação acelera o aquecimento global.
As observações das profundezas do Oceano Austral são escassas. No entanto, as medidas feitas em profundidade, por navios, permitiram vislumbrar as mudanças em curso no oceano profundo. A camada de água do fundo está ficando mais quente, menos densa e mais fina.
Os dados de satélite mostram que a camada de gelo da Antártica está diminuindo. As medidas oceânicas feitas a jusante das regiões de derretimento mostram que essas águas estão reduzindo a salinidade (e a densidade) das águas costeiras. Estes sinais apontam para uma mudança preocupante, mas ainda não existem observações diretas na AMOC.
As consequências do seu enfraquecimento não se limitarão à Antártica. A AMOC estende-se por todo o oceano global e influencia o ritmo das mudanças climáticas e do aumento do nível do mar, além da vida marinha que também sofrerá com consequências diretas.