O câncer infantil é uma sombra que atinge milhares de famílias todos os anos. Entre os mais comuns estão os gliomas, tumores cerebrais que, embora muitas vezes sejam curáveis com cirurgia, podem reaparecer sem aviso.
Até agora, prever esse retorno era como “adivinhar” o tempo sem satélites: impreciso e cheio de incertezas.
Um grupo de pesquisadores da Universidade de Harvard e do Mass General Brigham criou uma ferramenta que pode mudar isso: uma Inteligência Artificial (IA) que “olha” para imagens médicas e as “lê” ao longo do tempo, como se estivesse folheando um álbum de fotos em busca de sinais quase imperceptíveis.
Modelos tradicionais de inteligência artificial analisam imagens médicas isoladamente, como julgar um filme visualizando apenas um único quadro.
De acordo com o estudo publicado na revista The New England Journal of Medicine, o modelo foi treinado em quase 4.000 ressonâncias magnéticas de 715 pacientes, aprendendo a detectar padrões microscópicos no tecido cerebral que preveem uma recaída.
O resultado foi surpreendente: ele estava correto em 75-89% dos casos, em comparação com 50% dos métodos atuais, que são essencialmente equivalentes a jogar uma moeda.
Atualmente, quase todas as crianças com glioma am por acompanhamento extensivo com ressonância magnética por muitos anos, uma rotina que pode causar estresse e ansiedade tanto para os pacientes quanto para suas famílias.
O aspecto mais importante dessa nova metodologia, de acordo com os pesquisadores em uma declaração publicada no The Harvard Gazette, é sua capacidade de identificar precocemente aqueles casos com maior risco de recaída.
Isso pode significar tratamentos menos invasivos para algumas crianças e acompanhamento mais intensivo para outras, otimizando tanto a sobrevivência quanto a qualidade de vida.
Mas a importância dessa nova metodologia vai além do câncer infantil. Como explica Divyanshu Tak, pesquisador do Mass General Brigham e autor principal do estudo: "Essa técnica não é apenas para gliomas; ela pode ser aplicada a qualquer doença em que imagens sequenciais sejam usadas".
Apesar desses resultados encorajadores, o grupo está cauteloso. Antes que essa tecnologia chegue aos ensaios clínicos, mais estudos são necessários para confirmar sua precisão em diferentes cenários e tipos de pacientes.
Além disso, a implementação em larga escala exige a superação de desafios técnicos, éticos e regulatórios.
Se essa tecnologia se consolidar, poderá ser o equivalente médico de um satélite observando de cima, capturando sinais invisíveis antes que se transformem em uma tempestade.
Porque, no final, na batalha contra o câncer infantil, cada imagem conta, cada segundo importa e cada oportunidade de se antecipar à doença pode ser a diferença entre uma vida cheia de memórias ou uma história interrompida.
Longitudinal Risk Prediction for Pediatric Glioma with Temporal Deep Learning. 24 de abril, 2025. Tak, et al.
Earlier warning on pediatric cancer recurrence. 02 de maio, 2025. Mass General Brigham Communications/The Harvard Gazette.